De sexo frágil a provedora do lar


por Letícia Castro
Revista TPM
Out 2013

Com salários mais altos que os de seus maridos e namorados, mulheres assumem as despesas domésticas e redefinem as funções familiares.



De sexo frágil a provedora do lar. Depois de conquistar espaço no mercado de trabalho e de brigar por salários iguais – batalha ainda não totalmente vencida –, as mulheres começam a lidar com um novo fenômeno dentro de casa. Com salários mais altos que os de seus maridos, são elas que bancam hoje as despesas em um número cada vez maior de lares e criam novos arranjos para a vida familiar.

A médica Ana, 36 anos, mora há cinco com o namorado, o designer Pedro, 37. Desde o início do relacionamento, ele passou a maior parte do tempo desempregado, deixando para ela todas as contas da casa. Mãe de um garoto de 10 anos, do casamento anterior, ela chegou a um acordo para equilibrar as responsabilidades: enquanto ela trabalhava, ele cuidava de Tomás (o filho dela) e das tarefas domésticas. “No começo foi ótimo. Eu estava superando uma separação tumultuada, ele me deu apoio num momento de fragilidade e adorava o meu filho. Era uma troca justa”.

O acordo deu certo por quatro anos, até que o casal entrou em crise. “O problema não era exatamente a grana, mas o fato de ele não trabalhar e se sentir frustrado”, conta a médica. O resultado foi um esfriamento da relação. Há um mês, Pedro arrumou um emprego e a relação retomou o equilíbrio. “Eu ainda banco a casa, mas pelo menos ele tem o dinheiro dele e o trabalho dele. Para mim, não importa quem ganha mais”, diz Ana.

Histórias como a de Ana e Pedro são cada vez mais frequentes. Para a jornalista americana Liza Mundy, autora do livro O sexo mais rico (ed. Paralela, 2013), a tendência é as mulheres assumirem cada vez mais o papel de provedoras. Segundo ela , hoje, nos EUA, 40% das mulheres ganham mais que os maridos e, em 2030, o número terá chegado a 50% (veja um trecho da entrevista dela à Tpm na pág. 45).


Dono de casa

A explicação para esse fenômeno tem vários fatores. O movimento feminista e as leis que proíbem discriminação e salários menores para mulheres tiveram papel importante. Assim como o crescente acesso feminino às universidades, a partir das décadas de 70 e 80. Mas foi a recente crise econômica que mudou significativamente o mercado de trabalho nos EUA. “Nossa economia está mudando para um tipo de ‘economia do conhecimento’, que valoriza trabalhadores escolarizados, e as mulheres são, cada vez mais, esses trabalhadores”, diz Mundy.

Os reflexos dessa mudança dependem muito de como o casal lida com a questão. Na família da cantora e jornalista Stela, 48, a redefinição de papéis foi boa para todos. “Fico orgulhosa quando meu filho diz que, quando crescer, quer ser igual ao pai e saber cozinhar para os filhos dele. Acho importante esse exemplo”, conta. Desde que Vitor, hoje com 9 anos, nasceu, é ela quem trabalha fora e Luciano, o marido, administra a casa.

Quando engravidou, Stela já tinha um emprego fixo e Luciano, músico e jornalista, era freelancer. De comum acordo, os dois decidiram manter esse esquema, com Luciano trabalhando em casa e cuidando do filho, e abrir mão de uma babá. Hoje, ele concilia a vida de freelancer com as tarefas domésticas: é ele quem faz supermercado, arruma a casa, cozinha e leva Vitor à escola. “Quando se tem filho, alguémno casal tem que abrir mão de algo para estar mais perto da criança, não importa se é o homem ou a mulher”, afirma o músico.

Para a psicóloga Noeli Montes Moraes, do Departamento de Estudos de Gênero da PUC-SP, o que está acontecendo é o reflexo da entrada da mulher no mercado de trabalho. “De agora em diante, o que vai determinar quem ganha mais em um casal é a carreira de cada um, e não o simples fato de ser homem ou mulher. Ainda há muitas distorções de salário desfavorecendo as mulheres, mas a situação está cada vez mais equilibrada”, afirma.
Conta conjunta

A publicitária Carla, 38, e o fotógrafo André, 32, são um exemplo de que é o mercado de trabalho que determina quem vai pagar as contas. Nos cinco anos de casamento, ela teve salários mais altos e acabou bancando a maior parte das despesas. “Para mim, são as circunstâncias que nos levam a certos papéis. Não tenho apego a dinheiro nem a status e não acho que quem ganha mais é mais poderoso”, diz Carla, que nunca se incomodou em bancar a família.

Casados há cinco anos, eles já viveram diferentes situações: ela com emprego fixo, ele como freelancer; ela como freelancer, ele com emprego fixo (o arranjo atual). O acordo é sempre o mesmo: quem ganha mais, paga mais. Para facilitar a vida, abriram uma conta conjunta e não controlam quem coloca mais dinheiro. Em casa, as tarefas são divididas na base do improviso. “Não temos uma regra clara, quem está mais disponível vai buscar o filho na escola, cada dia é de um jeito”, diz. Mesmo bem resolvida com o papel de provedora, Carla conta que já sentiu efeitos colaterais. “Acho que dei uma endurecida com tanta responsabilidade, e sinto que para ele não é uma situação confortável”, diz.

Mesmo com mudanças tão significativas no mercado de trabalho, a cobrança social de que o homem desempenhe o papel de provedor é forte. “Ainda existe essa expectativa de que o homem deve pagar as contas. É o reflexo da nossa sociedade machista, e as pessoas acabam sofrendo com isso”, observa a psicóloga Noeli Moraes.

Após colher depoimentos de inúmeras famílias que vivem essa nova configuração, a americana Liza Mundy tem um olhar otimista sobre a situação. Para ela, a mudança traz mais vantagens que desvantagens. “Espero que isso expanda a nossa noção do que homens e mulheres são capazes de fazer, e que possamos entender que somos flexíveis e que há muitos papéis disponíveis para cada um.”


Homens não precisam ser provedores

Autora de O Sexo Mais rico, Liza Mundy fala dessa nova configuração entre casais
Como homens e mulheres reagem quando o sexo feminino é o provedor? Os homens podem ser competitivos e rancorosos. Mas muitos percebem que podem ter mais opções: não precisam mais carregar a pressão de ser os únicos provedores e ficam livres para ficar com as crianças ou buscar uma carreira de que gostem em vez de fazer algo só para sustentar a família. Algumas mulheres sentem vergonha do sucesso, com medo de parecerem pouco femininas. Ou se ressentem, por achar que os maridos não estão contribuindo como deveriam. Mas as inteligentes percebem que ter um parceiro que as apoie é uma bênção, vai ajudá-las a prosperar.

Hoje ainda há distorções: mulheres ganham menos que homens nas mesmas funções. Como mudar isso? Precisamos combater a discriminação. Mas é fato que os homens tendem a trabalhar mais horas que as mulheres e por isso seus salários são maiores. É importante os empregadores perceberem quando as mulheres são as provedoras. Eu recomendo a elas falar claramente sobre o fato de sustentarem as famílias para que os patrões entendam a importância de seus rendimentos.

No livro Faça acontecer, Sheryl Sandberg, executiva do Facebook, diz que um dos motivos de haver poucas mulheres em cargos de liderança é o fato de elas serem inseguras. Você concorda? Existe alguma verdade nisso, mas o sucesso do livro de Sheryl mostra como as mulheres estão buscando ferramentas para chegar aonde querem.

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